quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A respeito dos caminhos até chegar ao sol.



Dorme estudante, com uma rotina toda preenchida, sabendo exercer esse papel. Noutro dia acorda formado, adulto (ou não), profissional, candidato a um mercado de trabalho em crise,  com um monte de tempo vazio, sem rotina, sem emprego, sem independência, e sem saber muito a respeito dessa nova identidade, a profissional. E assim, aos pouquinhos, vai caindo o véu do "mundo do estudante universitário". Cai a ficha e revela um estado com pouquíssimas oportunidades de trabalho; a carreira acadêmica, ainda, como um espaço de investimentos constantes, e em longo prazo, ou seja, privilégio para poucos; ter "padrinhos" é muito importante para entrar no mercado; os privilégios de ser "bem - nascido". Além das exigências do mercado, não basta a graduação, é preciso cursos, especializações, diferenciais, ou seja, mais investimento, de todas as ordens. 

Para aqueles que compram educação com muito suor, não é possível se dar ao luxo de esperar sentada, ou em Paris, que surja uma oportunidade na sua área de graduação. Com o fim das cerimônias, fica o orgulho de ter conseguido formar filhos "doutores" e a expectativa dos pais que esperam bons empregos, retorno financeiro e independência ainda que isso não seja verbalizado na mesa do jantar, não diretamente. É preciso mais que conhecimento; sensibilidade, para compreender que educação e qualificação é um caminho longo, que não se encerra com a graduação.

E eis o comentário, "esse curso não é pra pobre não”. O foda-se que seria endereçado no passado se transforma em desejo de continuar acreditando que é possível fazer um caminho que alie satisfação, alegria e retorno financeiro. Afinal, inseridos num sistema capitalista, também somos parte dele, e são criadas as infinitas necessidades. Existe o momento em que começam a sobressair os determinantes sociais que diferem A, de B, os “bem-nascidos”. Está posto, eles não caminham em pé de igualdade, não tem os mesmos privilégios, nem mesmo para qualificação.

A nossa sociedade sempre esteve organizada de modo que são previstos os caminhos, locais e funções as quais podem estar aqueles que pertencem à determinada camada social. Ainda assim, há quem se arrisque a subverter a ordem do que "está posto". E neste contexto, num ato de libertação, surgem os “pobres ousados” que resolvem dar oportunidade para que os filhos alcancem degraus que eles ajudaram a construir, a manter, mas não conseguiram sequer pisar.

“Não é para filho de pobre", mas há quem resolveu por a prova e conseguiu sentar nas mesmas cadeiras que sentaram "os bem-nascidos", que estudaram em escolas com mensalidades maiores que o salário mínimo do país, fizeram inglês desde a pré-escola, intercâmbio. Para os outros havia a possibilidade de sair do ensino médio e ir trabalhar, fazer um curso técnico, ou até mesmo uma graduação, mas só aquelas destinas aos "filhos de pobre". Mas não, há quem resolveu comprar o sonho dos filhos e viver junto deles aquilo que não puderam realizar no passado. Permitir que eles sejam o que desejem ser, oportunidade esta que não tiveram. E assim, se dá , sucessivamente, o rompimento das cartilhas históricas que dizem o lugar que está destinado aos "filhos de pobre". 

Estes diplomas, por vezes, produzem alguns "incômodos", porque eles foram escolhidos e construídos com saber e conhecimento próprio, e são iguais aquele que pertence a filha de "Dr. Fulano", que mora na cobertura X, estudou na escola Y. Afinal, o diploma significa muito mais que a licença para exercer uma profissão, instrumentalizar um conhecimento. Na nossa sociedade ele ganha o status de mérito que se alcança ao subir um determinado degrau pré-destinado, que não poderia ser desejado, muito menos alcançado por aqueles que não são “bem-nascidos”. Afinal, isso não é para “filho de pobre”.

Ou melhor, não era. 

Com "o diploma" em mãos, percebe-se que este é só o começo do fim. É tempo de outras pequenas lutas diárias. Sabendo que, não tendo estradas abertas que liguem até “o sucesso", é preciso ir limpando o próprio caminho, fazendo estradas, escalando montanhas, caminhando junto daqueles que também fizeram estradas. E, às vezes, é preciso pegar atalhos, tomar fôlego, fazer outras coisas, alcançar alguma estabilidade financeira. Afinal, a vida não é feita apenas de poesia, sonhos e utopias. Ela vai acontecendo com as suas urgências palpáveis. E isso não faz de ninguém menos digno do conhecimento que construiu. Só o faz alguém, como tantos outros que vieram e ainda virão, que precisam construir o seu lugar ao sol. 
Pois, independente do espaço que ocupe, nada pode subtrair de ninguém as construções próprias, aquisições simbólicas, encontros e significados. Isso é próprio. E é impagável. 

Por hora, quem sabe, em algum momento, a gente consegue construir uma sociedade menos desigual. Começando por um sistema educacional menos capitalista, que preocupe-se menos em vender conhecimento para que as pessoas depois o venda e, assim, fazer girar a roda da mercantilização do saber, do fazer, do cuidado. E para isso, é necessária uma prática de constante resistência. Tendo em vista que, na organização social que vivemos, é preciso vender a nossa prática para comprarmos tantas outras coisas, mas isso pode ser feito de maneira menos selvagem, excludente e segregadora.
 
Elisa. 

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