Em “Cartas a um jovem
terapeuta” Calligaris fala a dois terapeutas, ambos iniciantes no ofício do
cuidado.
Apenas com uma pequena mochila nas
costas e menos despretensiosa, falo do lugar de uma jovem terapeuta.
Há dias venho
pensando a respeito deste fazer cuidado. Dos perigos e alegrias que envolvem a
sutil aventura por entre as veredas do cuidar do outro.
Sutil, pois este é um dos tantos
papéis que desempenho enquanto a vida acontece. Ser terapeuta foi o papel que a
vida trouxe para me permitir reafirmar, sobretudo nos dias de insegurança, que
o inesperado esconde pequenas alegrias clandestinas.
E assim, caminhando,
descobri ser o fazer do terapeuta aquém de uma tarefa mágica, onipotente e além
de uma mera profissão para preencher a carteira de trabalho.
Onde então? Permaneço na sede de descoberta!
Com a proximidade do
final do ano, inauguro também alguns finais. Pontos de descanso, de reflexão.
De vários nadas. Depende do ângulo que se olhe.
Finaliza 2017, o ano em que me tornei
terapeuta. Como e quando torna-se terapeuta? Construção possível? finita?
Havia o número de
registro. Uma sala com duas poltronas vermelhas. Uma mesa, cadeiras. Um tapete.
Papéis. 5 anos de aporte teórico. Mais papéis. Brinquedos.
Um setting terapêutico.
Contudo, o correr dos dias tornou presente a necessidade de muito mais e muito menos.
Sim! Menos
cerimônias. Papéis. Jalecos. Inseguranças. Cópias. Modelos.
Mais presença verdadeira, interesse genuíno pelo que é do outro, ouvidos
dispostos a escuta empática, acolhedora.
Mas, para ser acolhida do outro é preciso acolher a si mesmo. Principalmente nas angústias, incompletudes. No não saber.
Ao saber que é possível, e necessário, ser
morada para si, descobre-se que para ser terapeuta não precisa ser uma casa
vazia. Afinal, em casa vazia não mora afeto capaz de se deixar tocar e tocar em retribuição.
Só o tempo me fez sentir bem mais confortável
naquela poltrona, nas minhas roupas, no meu papel, em mim. E consequentemente, naquelas
relações que se inauguraram a cada encontro. Deixando claro, sobretudo para mim,
que a vida do terapeuta transcende o exercício da escuta daquilo que é do
outro. E isso o faz humano, bem como a sua presença.
De acordo com a
sabedoria de Calligaris, doada aos que estão a abrir estradas nesta
seara, no setting terapêutico há sempre um sujeito ansiando por se livrar de um
sofrimento e outro sujeito em busca de viver do trabalho de cuidar deste
outro.
E é possível viver
deste trabalho sem coisificar o outro, sem reduzi-lo ao CID que mantém pagas as
minhas contas.
Vivendo deste
trabalho, em tantos momentos de angústia, ao afundar a mão
nas caixas de ferramentas disponíveis, não encontrei as soluções e curas que,
nas minhas ilusões de onipotência, imaginei deter. Achei ferramentas como intuição e sensibilidade, compreendendo que ambas sozinhas são levianas,
assim como o conhecimento sozinho apenas disseca cadáveres.
É preciso ir além para
fazer mais que anestesiar sintomas. Fazer cuidado em saúde mental requer
jornada dupla, cuidar do outro e cuidar de si.
Assim, ainda que haja muitas vivências, papéis para desempenhar por entre a ciência
psicologia, desta experiência, do local de uma jovem terapeuta, me junto ao meu
primeiro paciente, que, do alto dos seus 6 anos, afirmou: "esse seu
trabalho é massa. De ficar olhando as pessoas e as vezes brincar um pouco também."
Me parece uma boa compreensão. Penso
que ele entendeu melhor meu fazer do que eu mesma.
Elisa.

Nenhum comentário:
Postar um comentário